Raimundo Rodriguez - Obra

Em meio a uma iluminação definitivamente Barroca, ao repousar o olhar nas obras do artista plástico Raimundo Rodriguez, somos seduzidos pela singularidade universal de seus trabalhos. A visão rapidamente apreende um imaginário rico em cores que passam por infinitas variações de amarelos ocres e de tons terrosos que refletem a aridez craquelada das terras do nordeste brasileiro. Essa transfiguração do espaço está diretamente ligada às questões atávicas do artista. Há um resgate na tradição do trabalho manual, de um (re)conhecimento ancestral que passa pelo tato.

As obras de Raimundo Rodriguez traduzem, desta maneira, um “fazer” primordial, juntamente com uma consciência espontânea de aproveitamento que se manifesta em meio a uma variedade caótica de elementos descartados, objetos errantes, recontextualizando-os e extraindo-os do vasto cenário urbano onde repousam os restos e as sobras do mundo. Esses idílicos fragmentos tornam-se atemporais. Serve para o artista toda matéria-prima que não sirva para mais ninguém.

Existe um efeito onírico e hipnotizante que emana da obra de Raimundo Rodriguez, no momento em que transporta o observador para uma realidade inaudita, onde esses objetos mundanos são reunidos conservando seus mais íntimos pensamentos, ruídos e sussurros.

Esses objetos – todo tipo de material rejeitado, gasto, descartado, etc. encontram um novo lar, um novo propósito nas obras do artista, que não nega um impulso místico, religioso e missionário ao conferir nova vida através de um processo de ressignificação. Ressignificar, além de ser um método extraído da comunicação e da neurolinguística, nas mãos do artista, transforma-se num artifício poético que ilustra nobremente a extensão do ato criativo, a ponte exata entre dois mundos: o sensível e o inteligível já descrito por Platão.

Da matéria bruta, brotam imponentes cavalos e santos guerreiros, ao fundo cenários de uma época de magia e misticismo são moldados a partir da lata, madeira, tinta e betume espalhando-se organicamente pelas paredes e por oratórios que são construídos como molduras, acolhendo as sobras agora já sacralizadas, numa fantástica anunciação.


Renata Gesomino.
Doutoranda na linha de pesquisa de História e Crítica da Arte pelo PPGAV.

O sonho preso na gema do âmbar.

Sonhos é uma exposição elaborada pelo artista plástico Raimundo Rodriguez e que visa construir por cima das paredes ascéticas da galeria um conjunto de estruturas orgânicas catalisadoras de memórias aterradas pelo efeito implacável do tempo.

Um olhar mais interessado logo perceberia o efeito onírico e hipnotizante intencional do artista ao transportar o observador para uma realidade diferente, onde os objetos pregados às paredes conservam emoções, pensamentos, ruídos e sussurros.

Esses objetos – todo tipo de material rejeitado, gasto, descartado, etc. encontram um novo lar, um novo propósito nas obras do artista, que não nega um impulso místico, religioso e missionário ao conferir nova vida através de um processo de ressignificação do objeto.

Tal qual o inseto que pela ação casual da natureza se encontra preso ao âmbar – resina vegetal de coloração amarelo-ocre, capaz de proteger pequenos organismos da ação corrosiva do tempo – e que por este motivo testemunharam a vida ancestral na Terra, de forma semelhante, o artista simbolicamente utiliza o betume, verniz amarronzado, que age fornecendo uma fina cobertura atemporal e assim reitera o processo de sacralização dos objetos, da madeira, das latas, dos “restos” que foram por ele escolhidos em meio a tantos objetos e destroços que são diariamente despejados no corpo calejado das cidades pós-modernas.

Ressignificar, além de ser um método extraído da comunicação e da neurolinguística, nas mãos do artista, transforma-se num artifício poético que ilustra nobremente a extensão do ato criativo, a ponte exata entre dois mundos: o sensível e o inteligível já descrito por Platão. 

Através de Sonhos, o que o observador poderá encontrar desde que se permita experimentar tal transcendência, é talvez uma parada entre esses dois mundos, onde a planície fantástica que se ergue e que se espalha pelas paredes, não é nem de vida, nem de morte, nem somente de dura realidade, nem apenas de fantasmagoria, mas o vislumbre à meia luz de um sonho, ainda que breve.

Renata Gesomino.
Doutoranda na linha de pesquisa de História e Crítica da Arte pelo PPGAV.
18/05/11.

Agregando pequenos latifúndios: um campo já expandido

Participando das comemorações do dia da Baixada Fluminense, o Sesc recebe as obras do artista plástico Raimundo Rodriguez. Um conjunto total de aproximadamente 40 módulos pertencentes à série “Latifúndio” que se justapõem formando uma grande paisagem de lata e papelão. Ocupando as paredes da galeria uniformemente os “latifúndios” de Raimundo Rodriguez, demarcam as riquezas de um território; as riquezas da Baixada, escapando de alguns rótulos conceituais freqüentes, tais como: “estética da gambiarra” e “art povera”, o que o artista pretende mostrar no evento comemorativo é justamente o oposto: a riqueza visual presente no material descartado, rejeitado, das sobras, revelando sua força expressiva e toda sua maleabilidade intrínseca.

Surpreendendo o público com uma técnica capaz de abrir as latas encontradas aleatoriamente no entorno da própria Baixada Fluminense, o artista cria painéis coloridos, onde as latas são pregadas umas as outras, e as cores são resultantes da fixação da tinta no interior das latas que foram abertas, revelando espontaneamente matizes escondidas, gastas.

Em cima de alguns módulos de lata é possível notar a presença de alguns círculos em tons terrosos formados pelas poucas tampas encontradas juntamente com as latas, como no ofício de um arqueólogo que busca fósseis valiosíssimos.

Aos módulos de papelão são incorporadas colagens que a partir de um efeito pardacento acentuam as tonalidades ocres e terrosas, marca presente em diversos trabalhos do artista, que não nega, e por vezes reafirma a beleza da ação do tempo sobre as superfícies.

Assim, Raimundo Rodriguez nos (re)apresenta a um mundo esquecido onde a precariedade dá lugar à abundância. E como há riqueza nesses pequenos latifúndios imprensados lado a lado em escalas herméticas rumo a um campo que já foi expandido pelas técnicas desenvolvidas, pelas linguagens criadas e pela criatividade humana que em meio ao material rejeitado - vulgarmente denominado de lixo - encontra espaço para a transmutação de sentidos e de valores e quem sabe de olhares?

Renata Gesomino.
Doutoranda pelo PPGAV-UFRJ na linha de pesquisa de história e crítica da arte.

O Farol, o Mar... e o Artista

O farol e o mar. Ambos constituem um poderosíssimo referencial poético dentro da literatura universal, além de evocar imagens capazes de narrar grande parte da história das civilizações e suas conquistas sobre a natureza. Desde o mar idealizado por Ernst Hemingway com seu eterno embate entre o homem velho e o peixe gigante, até o farol discreto e sisudo, ponto alto na narrativa existencial dos frios personagens do romance de Virginia Woolf. O mar e o farol. Enquanto o primeiro se constitui como força incontrolável da natureza, capaz de guardar sob seu manto ultramarino as criaturas mais fantásticas com que a humanidade tem sonhado, já, o farol, se impõe como “porto seguro”, local de projeção luminosa, torre inabalável, cuja finalidade é guiar os bravos navegantes, rumo à glória, desde os remotos tempos de Alexandria.

No projeto que pretende reunir em uma enorme instalação com dimensões de 9,50m de largura X 5,50m de profundidade X 5,15m de altura, as obras: “O Farol” de Deneir de Souza e “O mar” de Raimundo Rodriguez, o resultado final é a construção de uma poética visual na qual o Farol - elemento estático e imponente se agiganta diante de um mar voluptuoso e inquieto.

A partir desse movimento permanente do mar, é dada ao espectador a possibilidade de observar a verticalidade sóbria do farol em relação às ondulações vertiginosas de um mar vivo, pulsante, mas que não esconde as suas engrenagens. O projeto fica composto por grandes rodas de ferro que funcionam como suporte para as cristas das ondas. A partir de motores elétricos essas ondas passam a adquirir um movimento circular moroso, mas contínuo. Diferentes planos dão a noção de profundidade, fazendo com que as ondas se encontrem em alturas distintas e o mar ganhe em volumetria e mobilidade. Luzes são instaladas estrategicamente, por entre os elementos da composição, de forma a contribuir com o movimento desordenado de esquerda para direita e de direita para esquerda, dando ao balé das ondas, ritmo e cadência. O farol de Deneir, fixado sobre uma caixa de madeira 1,20m x 1,20m x 2,00m, reproduz os sons das ondas do mar, dos pássaros e do vento, por meio de alto-falantes embutidos dentro de seu suporte, revelando através dos sons o testemunho de um guia, de um sobrevivente. Dessa maneira o conjunto da obra se completa e a experiência do observador de adensa diante de um mar que não esconde as suas origens humanas, revelando seu intrincado mecanismo de ação, através de suas engrenagens, rodas e correntes.

No universo subjetivo das artes plásticas, o mar e o farol são agentes simbólicos criados pela mão do homem, pela mão do artista, e a disputa entre homem e natureza encontra seu fim, e saímos todos vitoriosos.

Renata Gesomino.
Doutoranda na linha de pesquisa de História e crítica da arte pelo PPGAV-UFRJ.