A Geometria sensível revisitada nos variados e inúmeros latifúndios.


Não se trata mais da tela, mas, da lata de tinta como suporte da obra, das cores internas
das latas como paleta a ser escolhida, do desgaste natural como nuanças, gradações e dégradés.
Esses objetos cilíndricos materializados a partir de folhas de aço não escondem sua força, resistência e rigidez, e ainda assim, são abertos, desamassados e pregados, como o tecido mais flexível que encobre os tradicionais chassis.

Imagine a família das latas sem seus rótulos pop-histriônicos e coloridos? O que sobraria além das indiferentes formas cromadas e ascéticas? Sobrariam esculturas. Um arsenal de formas extraídas em posição bélica do silêncio implacável imposto por uma Minimal Art hipotética.

Mas, não é de  Pop nem de Minimal art que se trata. Essas possíveis esculturas, em
sua maioria, foram planificadas e a ação do tempo corroeu sua aura metálica intergaláctica,
afirmando, mais do que nunca, a presença da terra, da poeira, dos ventos e de uma natureza
brutalmente terrestre.

É a marca do tempo impressa em pequenos, grandes e médios latifúndios.
É possível percorrer um pequeno trajeto onde esses “latifúndios” de tamanhos e formas variadas discretamente revelam em meio à quase total abstração, cores que indicam lugares e
desgastes que indicam um tempo.

Uma aleatoriedade de números esclarecem as relações entre o colorido frenético dos
latifúndios e as identidades ocultas das latas, como num catálogo ou numa tabela de cores de
algum fabricante de tinta.

 Ao lançar um olhar crítico-historicista que percorre os estilos e movimentos
legitimados, seria possível reconhecer na obra “Inúmeros” uma iluminação criadora de determinada ambiência como vistas nas obras de Dan Flavin, e um agregado de números tão expressivos quanto os de Jasper Johns em “Numbers in Colour”, de 1959, por exemplo.

Entretanto, as sinalizações (de trânsito) são claras, e esses “latifúndios” – os mais recentes do artista indicam também o período caótico e fastidioso de obras pelo qual passa a cidade do Rio de Janeiro; esta última, loteada, vendida, transformada em “latifúndios”, mas não agrários… urbanizados e em permanente reforma.

Em meio ao devaneio das poéticas das latas que não buscam uma representação do real,
mas, uma afirmação da pintura como objeto, há paradoxalmente, um conjunto de sinalizações de trânsito que nos puxam de volta para o real, para o agora, para a vida nas cidades.


Renata Gesomino.
Doutoranda na linha de pesquisa de História e Crítica da Arte pelo PPGAV.

REZA DE UM ATEU II

São Jorge Vencedor, obra de Raimundo Rodriguez - foto: Ac Junior

NÃO MEXAM
COM O SÃO JORGE
DO RAIMUNDO.

DA ÚLTIMA VEZ
QUE O SANTO DESCEU,
DESABOU TODO DESARRUMADO,
DISFARÇADO DE SUCATA.

A BABA DO DRAGÃO
FINGIU SER FIO USADO
SUAS ASAS VIERAM
COMO ANTENA PARABÓLICA
NUM IMAGINÁRIO PERIFÉRICO
DO ESTADO INTERNO DO CEARÁ.

NÃO MEXAM
COM ESSE SANTO,
DIGO NA LATA, PARCEIRO,
ESSE SONHO
É DE UM ARTISTA GUERREIRO.

NÃO TOQUEM
NA CAPA DE JORGE,
DEIXEM SEU VOILE METÁLICO LIVRE
VOAR ATÉ A DOBRA DA EMOÇÃO
E PEÇA QUE NOSSAS ARTÉRIAS,
QUE NÃO SÃO DE LATA,
SUSTENTEM ESSE POBRE CORAÇÃO.



VICTOR LOUREIRO




Trombetas na escuridão

Raimundo tem o mistério de Midas, ele toca a matéria rude, a forma inerte e as transforma em beleza e encantamento. Generosa, arrebatadora, a arte em Raimundo transborda como uma ciranda funk a unir tempos e espaços, culturas e informações, ritual de realidades transfiguradas, mistérios e magias recicladas, o artista é uma ponte (ensina Nietszche e Raimundo obedece), Rauschenberg, Vitalino, mulambos, art povera, tá tudo aí, deliciosamente misturado, mestiçado como a gente, como o mundo e como a vida que a gente um dia vai viver e que Raimundo, com talento e inteligência, como um arauto contemporânea, trombeteia pelos céus e mares, raio que ilumina a escuridão, vasto mundo...

Marcus Lontra Costa