Do Caos Urbano à Recriação do Mundo


Conheço Raimundo Rodriguez há uns vinte anos e, portanto, posso dizer que tenho acompanhado um pouco da sua trajetória como artista plástico. Seus novos trabalhos, que pude apreciar ontem na abertura da sua exposição na Caza, apresentam-se como uma síntese de sua obra, da qual os elementos mais exuberantes e barrocos de momentos anteriores deram lugar a uma linguagem mais contida, contudo não menos expressiva. Por outro lado, apesar de se apresentarem no âmbito da pintura, guardam muito da característica de “objeto” de suas obras mais antigas, além, é claro, de serem compostos também por materiais reciclados, oriundos de contextos outros, para não dizer do próprio lixo. Pois Raimundo sempre soube ver um potencial de arte nos materiais mais diversos, transformando coisas as quais poucos dariam importância em composições ricas de informação plástica e simbólica.
Nisto seu trabalho se inscreve na linhagem que, no século XX, começa com Braque e Picasso, com seu Cubismo Sintético, repleto de colagens de materiais extrapictóricos, que tornavam cada natureza morta em algo “real”, possuidora de uma “verdade material” constituída por elementos concretos da vida aplicados à pintura. Esta utilização dos mais diversos materiais colados à superfície da pintura se estendeu aos dadaístas, já num contexto diferente, de “antiarte”, vindo a se tornar os revolucionários ready made de Duchamp. Outros artistas, em outros momentos e com propostas diversas, também lançaram mão de materiais retirados dos restos da sociedade de consumo, como os ligados à arte povera, assim como vários daqueles ligados à pop art.
Pode-se dizer que no mundo contemporâneo esta é uma prática quase que obrigatória para muitos artistas, pois tudo, literalmente tudo, se tornou material para a arte. Contudo, o que diferencia a obra de cada artista são três requisitos fundamentais: 1º - talento; 2º - a intenção; 3º - saber como articular formalmente o material que se tem em mãos. Estes requisitos são visíveis em toda a obra de Raimundo, que sabe manusear seus materiais, tanto os tradicionais quanto os menos ortodoxos, com muita imaginação e conhecimento de causa, transitando naturalmente, na criação de suas obras, do mundo sofisticado da arte “erudita” ao não menos complexo e repleto de significados mundo da “arte popular”.
As obras mais recentes em questão, simplesmente chamadas de “Obras Inéditas”, exemplificam isto claramente ao reconstruírem com rigor compositivo e cromático a imagem do nosso mundo urbano e caótico. Neste contexto, as cores e texturas “naturais” dos objetos, praticamente utilizados como foram coletados -as folhas abertas das latas de tinta -, são esta referência a nossa urbs e seu universo de comércio, indústria, trabalho, trânsito, dinheiro,moradia, pobreza, riqueza, vida, morte, lixo e reciclagem. Mas tudo isso só ganha um valor novo e válido artisticamente por ter sido coerentemente articulado numa linguagem que derivada do abstracionismo geométrico não se deixa, no entanto, aprisionar em seus limites.
Esta é a obra de Raimundo Rodriguez, um artista aplicado como poucos ao seu métier, fazendo da sua vida e da sua arte uma unidade inseparável. Que prossiga sempre com sucesso em sua carreira sempre criativa.

19 de Janeiro 2012


Ricardo Antonio Barbosa Pereira