O sonho preso na gema do âmbar.

Sonhos é uma exposição elaborada pelo artista plástico Raimundo Rodriguez e que visa construir por cima das paredes ascéticas da galeria um conjunto de estruturas orgânicas catalisadoras de memórias aterradas pelo efeito implacável do tempo.

Um olhar mais interessado logo perceberia o efeito onírico e hipnotizante intencional do artista ao transportar o observador para uma realidade diferente, onde os objetos pregados às paredes conservam emoções, pensamentos, ruídos e sussurros.

Esses objetos – todo tipo de material rejeitado, gasto, descartado, etc. encontram um novo lar, um novo propósito nas obras do artista, que não nega um impulso místico, religioso e missionário ao conferir nova vida através de um processo de ressignificação do objeto.

Tal qual o inseto que pela ação casual da natureza se encontra preso ao âmbar – resina vegetal de coloração amarelo-ocre, capaz de proteger pequenos organismos da ação corrosiva do tempo – e que por este motivo testemunharam a vida ancestral na Terra, de forma semelhante, o artista simbolicamente utiliza o betume, verniz amarronzado, que age fornecendo uma fina cobertura atemporal e assim reitera o processo de sacralização dos objetos, da madeira, das latas, dos “restos” que foram por ele escolhidos em meio a tantos objetos e destroços que são diariamente despejados no corpo calejado das cidades pós-modernas.

Ressignificar, além de ser um método extraído da comunicação e da neurolinguística, nas mãos do artista, transforma-se num artifício poético que ilustra nobremente a extensão do ato criativo, a ponte exata entre dois mundos: o sensível e o inteligível já descrito por Platão. 

Através de Sonhos, o que o observador poderá encontrar desde que se permita experimentar tal transcendência, é talvez uma parada entre esses dois mundos, onde a planície fantástica que se ergue e que se espalha pelas paredes, não é nem de vida, nem de morte, nem somente de dura realidade, nem apenas de fantasmagoria, mas o vislumbre à meia luz de um sonho, ainda que breve.

Renata Gesomino.
Doutoranda na linha de pesquisa de História e Crítica da Arte pelo PPGAV.
18/05/11.